domingo, 7 de outubro de 2007

Decalque é sóbrio, mas contagiante por Miguel Anunciação - Crítico/Espetáculos – Jornal Hoje em Dia – B. Horizonte / MG


LONDRINA (PR) - Como o grupo Corpo aqui em Minas, a Cia Ballet de Londrina colocou em desuso a máxima que condena santos de casa ao descrédito: à sua maneira, a respeitada companhia de dança contemporânea constituiu seu público na maior cidade do norte do Paraná. Um público cativo e entusiasmado. Imagine que, em virtude da intensa procura de ingressos, «Decalque», sua montagem mais recente, ganhou seis semanas de apresentações! A temporada se encerra hoje, sob a mesma lona do Circo Funcart, que há muitos anos vem abrigando a vida bastante ativa do Ballet.

Basicamente inspirado em «Romeu e Julieta», do russo Sergei Sergeyevich Prokofiev (1891/1951), o espetáculo foi coreografado e dirigido pelo pernambucano Leonardo Ramos, fundador da companhia.

É um espetáculo sóbrio, mas contagiante - o You Tube disponibiliza trechos -, que a reportagem do HOJE EM DIA acompanhou no último final de semana. O público de BH poderá conferi-lo em 2008, na mostra de companhias presentes ao 1º Fórum de Dança - mais informações ao lado. Promessa de Lúcia Camargo, a diligente presidente da Fundação Clóvis Salgado. No tocante à cia de Londrina, ao invés de play back, a trilha deverá ser executada por orquestra sinfônica.

Luxo.

Com nove jovens bailarinos, «Decalque» se utiliza de vigorosos, exigentes movimentos de solo. «O elenco é coeso, tecnicamente afiado» e cumpre «uma hora de dança de qualidade», exaltou Helena Katz, a severa crítica de dança. O título remete à tarefa do elenco de assumir apenas traços de Romeu e/ou Julieta. Não espelhar exatamente o par romântico celebrizado pela dramaturgia de Shakespeare. De fato, não é possível avistar personagens no espetáculo, em que momentos os jovens amantes de Verona poderiam estar no palco.

No geral, as montagens de dança se comportam assim mesmo: mais insinuam que identificam. Sempre há bem mais subjetividade, por exemplo, na dança do que no teatro. Mas, sem dúvida, em «Decalque» estão contempladas as oscilações emocionais dos romances. Vê-se a variada dinâmica do amor. Inclusive entre iguais - e não é a primeira vez que a companhia assume os riscos desta briga.

Apesar da qualidade do programa, «Decalque» não um espetáculo acabado - o que, aliás, quase nenhum chega a ser. Convenhamos, a música soberba de Prokofiev impressiona mais fundo. É uma composição arrebatadora, plena de nuances. Mais que apreciá-la no espetáculo, é desejável possui-la, ouvi-la constantemente.

A pesquisa de linguagem do grupo, a coreografia eloqüente de Leonardo Ramos e o nível técnico dos bailarinos também merecem aplausos. Ocupam um patamar de excelência muito aproximado. A competência destes elementos fundamentais torna «Decalque» uma atração acima da média. Mesmo que a iluminação e os figurinos, bem básicos, intencionalmente criados para não atrair atenções, não contribuam. Diga-se, também não prejudicam. Já a seleção de cores da cenografia e o gosto duvidoso da imitação de vitral, que ocupa o fundo do palco, deveriam ser revistos. Em favor das muitas outras virtudes do espetáculo. Uma curiosidade: não há razão declarada para o número de bailarinos em cena ser ímpar - quatro rapazes e cinco moças. Quem sabe porque, em se tratando de amor, sempre haveria alguém do lado de fora, exposto ao granizo.

* Viajou a Londrina (PR) a convite da produção de «Decalque».

Carreira de sucesso

Visto por mais de três mil pessoas, «Decalque» estreou em junho, escalado na 39ª edição do Festival Internacional de Londrina (Filo). Depois passou por Piracicaba (SP), Cascavel (PR) e São Paulo. Agora inicia turnê pelo país e pelo exterior. Primeiro classificado no Concurso de Apoio à Circulação de Dança, da Secretaria da Cultura do Paraná, visita dez cidades do Estado até o final de dezembro. Entre 32 trabalhos inscritos, foi selecionado para encerrar a 3ª Mostra de Dança Contemporânea de Itajaí (SC), dia 28. E, em junho de 2008, deverá representar o Brasil no XX Danza Nueva Festival de Lima (Peru), junto com grupos de dança contemporânea da América Latina, EUA e Europa.

Criado em dezembro de 1993, o Ballet é mantido pela Fundação Cultura Artística de Londrina (Funcart). Prestes a completar 14 anos, já montou 20 espetáculos, realizou oito turnês nacionais, sete viagens internacionais (Cuba, Peru, Argentina e Zimbábue), somando mais de 400 apresentações e um público aproximado de 70 mil pessoas.

É uma das mais reconhecidas companhias profissionais fora do eixo RJ/SP. Além de inegável qualidade artística, desenvolve projetos de democratização à cultura. Um deles é a Escola Municipal de Dança, no qual mais de 200 crianças de classe média baixa freqüentam gratuitamente o curso de dança clássica. Muitos membros do Ballet são professores da Escola.

A companhia é velha conhecida dos mineiros: veio 11 vezes a Belo Horizonte - depois do Rio de Janeiro, é onde mais se apresentou fora de casa -, cinco em Mariana e sete em Ouro Preto. Da última vez, em 2004, trouxe o espetáculo «Fome». Atualmente, mantém 10 bailarinos no elenco.

Juliana Rodrigues, 24 anos, é mineira de Caxambu. Formada pela Royal Academy of Dancing, cursou dança no Cefar/Fundação Clóvis Salgado e integrou o Ballet Jovem do Palácio das Artes. Em 2005, foi premiada como melhor bailarina no concurso Passo de Arte. Integra o Ballet de Londrina desde janeiro.

Mais informações no www.funcart.art.br/balletdelondrina.htm

Discussões pertinentes

Amparado por mais de 20 anos de militância nas artes, Leonardo Ramos está convencido que no Brasil jamais teria havido um encontro tão importante na área em que milita, a de dança, quanto o 1º Fórum de Dança e 2º Encontro de Companhias Públicas. Realizado em Belo Horizonte, entre os dias 21 e 23 de setembro, o evento foi promovido pela Fundação Clóvis Salgado (FCS). Durante três dias, debates e mesas-redondas transcorreram das 9h30 às 20 horas e foram abertos ao público, gratuitamente. «Nunca havia acompanhado discussões tão pertinentes, tanta gente pensando tão profundamente. Foi uma experiência inesquecível, e acredito que ela deverá render muitos frutos daqui pra frente», exaltou o coreógrafo e diretor da Cia. Ballet de Londrina.

O encontro culminou com a redação da «Carta de Belo Horizonte» e registrou os principais itens discutidos: a necessidade de circulação de grupos privados e públicos; de mais espaço de crítica e divulgação da dança nos meios de comunicação; mais direitos trabalhistas aos profissionais da área, inclusive um plano especial de aposentadoria; e a criação mais de cursos superiores de dança em universidades públicas no Brasil. O documento redigido foi, na sequência, encaminhado à Câmara dos Deputados, em Brasília (DF).

Cerca de 80 grandes profissionais das artes cênicas do país participaram do evento. Entre outros, o ator Celso Frateschi, presidente da Funarte; Mônica Mion, diretora do Balé da Cidade de São Paulo; Myrian Dausberg, produtora da Dell’Arte; Ana Francisca Ponzio, curadora do Centro Cultura Banco do Brasil (CCBB) e da Mostra Sesi de Dança/SP; Eliana Pedroso, diretora do Ateliê de Coreógrafos Brasileiros, da Bahia; Paulo Pederneiras, diretor do grupo Corpo; Christina Machado, diretora da Cia de Dança do Palácio das Artes/FCS; e o bailarino Rui Moreira, diretor da Cia Será Quê?.

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