Há alguns anos, porém, foi convencida de que seu estilo de dança renderia uma boa versão da obra revolucionária de Vaslav Nijinski, cujo balé, criado sobre a composição de Igor Stravinski, foi recebido em 1913 com entusiasmo pela vanguarda e com ojeriza pelos conservadores (veja o serviço completo do espetáculo no Guia Gazeta do Povo).
Entrevista
Osvaldo Ferreira, maestro a Orquestra Sinfônica do Paraná (OSP).
“Uma das maiores obras da história da música”
Rafael Rodrigues Costa
O regente titular da OSP fala sobre o desafio de preparar A Sagração da Primavera, de Igor Stravinski (1882–1971), e explica a importância e as particularidades da obra, que estreou em 1913.
A nova coreografia de Olga Roriz para A Sagração da Primavera inspirou também uma interpretação mais particular da OSP para a composição de Stravinski?
Para a orquestra, a margem é sempre menor. E a música de Stravinski é muito pragmática, muito concreta. Ele escreve de um jeito que quase não permite grandes variações. Elas acabam surgindo mais para dar corpo às ideias da coreografia. Há apenas pequenos ajustes de tempo e dinâmicas.
A obra é lembrada como inovadora em sua época, e até como inauguradora da música moderna. Que características lhe conferem esta posição?
Até podemos dizer que é uma obra que rasga com todo um passado, mas não é tanto assim. Houve vários caminhos que convergiram para que ela acontecesse. Havia muitos movimentos no início do século 20. Stravinski teve o mérito de colocar muitas ideias embrionárias em um lugar só. Mas faz coisas realmente inusitadas na obra. Ele deixa o conteúdo melódico e a forma tradicional de usar os instrumentos da orquestra de lado. E é quase uma Bíblia para alguns em suas ideias da orquestração e assimetria rítmica – que, ao fim e ao cabo, é o que realmente mexe muito com as pessoas.
Foi o rompimento com essas “regras” que deu origem ao famoso tumulto da estreia da obra, em 1913?
A verdadeira razão para a obra ter sido vaiada e mal aceita por alguns na estreia, cada vez mais gente diz, na realidade foi o fato de a obra ter sido muito mal preparada e tocada. E, quer queira, quer não, porque a coreografia original, apesar de diferente, era monótona. As duas coisas combinadas não favoreceram a estreia. Mas, pouco depois, todos reconheceram que estavam à frente de uma das maiores obras da história da música.
Hoje ela ainda carrega esses traços de ruptura? Ainda tem impacto?
Hoje já é quase uma obra que pode ouvir quem ouve uma sinfonia de Beethoven, para quem está familiarizado com a música sinfônica. Mas tem impacto, sem dúvida. É uma obra que, mesmo para quem toca, para quem rege, é algo maravilhoso.
Serviço
A Sagração da Primavera
Teatro Guaíra (Pça. Santos Andrade, s/nº),
.
Com o Balé Teatro Guaíra e a Orquestra Sinfônica do Paraná.
Dias 21, 22 e 23, às 20h30, e dia 24, às 18 horas. Ingressos a R$ 10 e R$ 5 (meia-entrada).Classificação indicativa: livre.
Satisfeita com o resultado, a portuguesa trouxe a obra ao Balé Guaíra, que estreia a novidade hoje, 30 anos depois da primeira experiência do corpo de baile da casa com a obra-prima, coreografada então por Carlos Trincheiras. Agora, a música executada pela Orquestra Sinfônica amplia a relevância da produção (leia a entrevista ao lado com o maestro Osvaldo Ferreira).
A trama, inspirada em tradições pagãs e que mostra uma jovem designada pelo sábio da aldeia para o sacrifício de dançar até morrer em prol de boas colheitas, requer boas interpretações individuais dos protagonistas.
E essa é a especialidade de Olga, que conversou com a Gazeta do Povo. “Creio que consigo trabalhar bem a paixão, a morte e o sexo nos personagens. Minha linguagem é muito ritualística”, explica.
A moça eleita para dançar até a morte é vivida no balé por Ane Adade, com Alessandra Lange e Deborah Chibiaque como substitutas. O sábio, por André Néri e Raphael Ribeiro.
Relevância
Em dois atos, com um intervalo e total de 40 minutos, A Sagração da Primavera foi dividida originalmente em “Adoração da Terra” e “O Sacrifício”. Na música, Stravinski tirou inspiração de danças populares eslavas e privilegiou o ritmo primitivo e rústico em detrimento da melodia, o que, para o início do século 20, foi entendido como uma ofensa.
A partir da música, o trabalho da coreografia foi dar vida aos personagens, com uma visão teatral da dança. “Eu já tinha visto a versão de Pina Bausch e a achei perfeita. Não era necessário para minha carreira fazer algo que teria tantas comparações. Mas, então, ouvi de novo [a obra musical de Stravinski] e me apaixonei. E já não havia como voltar atrás.”
Ao criar sua visão dos movimentos para o balé, a artista se surpreendeu com a facilidade com que a obra “saiu de seu corpo”, “de maneira muito instintiva, o que tem a ver com a música e o tema”. Para ela, isso contribuiu para que o resultado mostrasse não só o corpo dos bailarinos, mas também o coração.
Escolhas
Entre as escolhas de Olga, sobressai a de não vitimizar a eleita. Mesmo que sua escolha signifique a morte, a personagem abraça sua missão como uma honra. A bailarina bate no peito e sorri desafiadora enquanto é observada. Na mesma linha, o sábio que orienta o sacrifício ganha um protagonismo incomum em relação a
outras montagens, exercendo ao lado da eleita uma polarização interessante para o palco.
O espectador curioso irá querer saber qual a distância entre esta versão e aquela histórica, de 1913, que quase pôs abaixo o Teatro Champs-Elisée, de Paris. “A distância é a de cem anos”, ironiza a criadora. A partir daquela base original, ela enxerga a evolução da própria dança.
“O Balé Guaíra acertou em escolher esta obra neste momento. É uma peça com a qual eles poderão viajar pelo país e quem sabe até para fora. Não sei de nenhum outro grupo brasileiro que tenha uma versão atualmente.”
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